sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Meu pedacinho


Talvez poucos de vocês saibam, mas esse ano eu perdi um pedaço de mim. Minha avó materna, depois de um tempo de crise (na saúde) faleceu. Eu ainda lembro que eu estava em mais um dia de rotina, que só não foi tão normal porque estava fazendo uma visita no Pelourinho. Estranho foi ver um oficial me procurar, ainda mais pelo oficial que foi, no meio do Pelô e me dar a notícia. Demorei um pouco pra me dirigir ao hospital porque necessitava de uma viatura pra deslocar, tendo em vista que estava fardado. Durante esse tempo de espera da viatura, das poucas coisas que lembro foram de alguns amigos perguntando o que aconteceu e do meu Comandante de Companhia falar: "Você é bem forte...". Talvez ele não soubesse que eu ainda não tinha acreditado no que tava acontencendo. Foi a primeira vez que perdi alguém tão próximo.

Até então eu não sabia como agir, o que falar, só fiquei pensando no porquê. Na verdade eu já imaginava que um dia isso fosse acontecer, que seria melhor pra ela, que já tinha vivido o que tinha que viver, tinha criado todos os filhos e netos, melhor ir do que ficar e sofrer as marcas do tempo.

A minha avó materna praticamente me criou. Me deu muito do que tenho, me ensinou quase tudo que sei, era parte grande de mim. Eu não sei como, mas eu ainda lembro perfeitamente de 17 ou 18 anos atrás quando ela me colocava no colo pra me dar o mingau. Das músicas que ela cantava, das novelas que assistiamos juntos, das manhãs alegres que ela tocava bandolin na porta de casa, dos aniversários que ela estava comigo, das aulas de teclado, das piadas que ela contava a mesa, das perguntas repetitivas que ela sempre fazia, dos casos que ela contava, dos filmes que ela assistia na noite anterior e sempre fazia questão de me contar o final, das ajudas nas lições de casa, dos dias das avós, das diversas boas ações que ela fazia. Minha avó foi um exemplo de pessoa, a melhor que já conheci até hoje.

O que mais me dói nisso tudo é a mania da minha família de esconder algumas coisas. Eu nunca soube realmente quão mal minha avó estava até ver o resultado do seu câncer. Ela sempre foi gulosinha, doida por doces, e eu só soube mesmo que ela estava mal quando percebi que nem pra isso mais ela levantava. Ela se foi e eu não tive a oportunidade de visita-la no hospital enquanto ela estava internada porque nem ao menos sabia disso. Não a vi nos seus ultimos momentos, não te dei um último beijo na testa como costumava fazer.

A pouco tempo atrás ainda encontrei uma corrente que ela me deu assim que eu nasci, e tive o desprazer de ser assaltado e perde-la. Eu preferia ter perdido tudo a aquela corrente. Era uma lembrança sólida, algo que precisamos. Porém a alguns dias atrás tive a felicidade de receber de minha mãe algo que até eu desconhecia, uma poesia que ela fez quando eu era menor, num papel antigo, com sua letra rebuscada, bem desenhada e a sua sinceridade. Ainda há minha avó no papel.Bom, transcrever-la-ei:



"Afago ao amanhecer

Com muito cuidado te afago em meus braços
Tento assim te aliviar do cansaço
Tudo é ternura, tudo é emoção
Ouço o bater do teu coração

Sinto por ti uma grande ternura
Dentro de mim tudo é doçura
(Te olho outra vez e te sinto respirar)
Seu rosto suave me faz desejar
Deitar em teus braços
E contigo ficar

Sinto por ti grande amor e afeição
E te sinto respirar num sono profundo
Gostaria de dizer-te
Sou a avó mais feliz do mundo. "



Ai Norminha, se você soubesse o quanto isso é recíproco. Lembro de muita coisa, mas não lembro da última vez que eu te disse eu te amo. Infelizmente a vida me fez assim, duro e fechado com a família, mas se eu tivesse direito a só mais um pedido, seria de te acordar com um cheiro no pescoço e um beijo na testa, te cobrir e desligar a televisão, como costumava fazer. Até mais.




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Daniel, 22 anos, libriano de carne, osso e acordes. Começa a escrever quando acha que não se deve deixar pra trás o que sente. Geralmente está na fossa. Caso não encontre-o lá, procure-o nas nuvens. Uma mistura de "sabe-se lá o quê" com filhote de sabiá. Pois bem, não sei o que sou. "...eu costumo ser o coadjuvante da vida, de todos."


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